09 março 2010

"Bocados de papel rasgados dos guardanapos dos cafés não são muito viáveis..."

"Há dias difíceis e, nesses dias, não há nada melhor que fechar os olhos, deitar na cama e deixar-se adormecer ou então ficar ali, simplesmente ali. Outras vezes pegar num livro qualquer à escolha e folhear, só pelo prazer de, em silêncio, ouvir o manusear das folhas de papel.

O meu refúgio são as folhas, os bocados de papel rasgados no café, nos guardanapos e escrever qualquer coisa que me vai na cabeça, ou de repente, pegar no telemóvel e escrever sem anexo, só depois organizar as ideias em papel.
Quando passeio perto de ruínas e outros sítios que me excitam de tal ordem a curiosidade e relembram os bons velhos tempos de escola é que é mais complicado e não há como explicar a ninguém ou quase ninguém percebe a falta que sinto daqueles trabalhos monstruosos, de horas enfiadas frente ao computador - aquilo para mim era uma adrenalina!
Hoje em dia vai-se compensando com outras coisas - um blogue por exemplo! Bocados de papel rasgados dos guardanapos dos cafés não são muito viáveis..."

Em seguimento da carta, gostaria de ter dito muito mais, de ter sonhado ainda mais, de ter lutado, de ter vivido - às vezes parece que já não vivo, que ando p'ra aqui a deambular que nem os bêbados encostados aos postes de iluminação, que agora já nem são a petróleo nem barrocamente decorados e pintados com trinchas largas de cerdas baratas...
Todavia, de tempos a tempos, numa distância temporal mínima mas surpreendentemente enorme, eterna, surge ao longe umas palavrinhas formando frases quase insignificantes, pequenas idéias, baralhadas, desordenadas, confusas, sem pontos nem vírgulas. E fecho os olhos, antes ainda corro à mala num instantinho e roubo um guardanapo à senhora da pastelaria para escrever depressa aquelas coisas que oiço na minha cabeça. Tenho esperança que seja alguma coisa importante, algo como um filho - dar corpo às palavras que me cumprimentam - é algo de tamanha importância e respeito, não é uma nódoa de café ou doce d'ovo dos croissants deliciosos que a senhora tem na vitrine; são manchas de tinta, em forma de letras agrupadas. Por cada verso que ali escrevo naquela folha frágil de papel amachucado por feitio, sinto logo no ar a atmosfera das minhas fantasias literárias quando o cheiro de uma cigarrilha deixada no ar por um transeunte qualquer, rua abaixo numa languidez impressionante, se cruza com o fumo fininho da meu café levando-me para outras épocas: Fernando Pessoa, Eça de Queirós, Almada Negreiros, Cesário Verde, oh...! quantos faltam aqui, que eu não lhes conheço o rosto!...
Sei que, nas mesinhas ao lado da minha, ninguém se apercebe do meu transe, já ninguém conhece ninguém mesmo nas vilas pequenas como esta, e deixo aparecer no meu rosto um traço de sorriso, de malandrice, de quem aprontou alguma como quando era criança.
Estão postas em papel as idéias fugazes que sairam da minha cabeça, falta pô-las por ordem lógica e passar religiosamente a limpo na sebenta de capa preta guardada na gaveta da mesinha de cabeceira.

Até ao próximo café!



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imagem de luis-anca-desenhos.blogspot.com

1 comentário:

M disse...

FANTÁSTICO!

Não há comentários que se possam tecer.

Simplesmente encaras o tempo de escola com a mesma nostalgia que eu!

É de família!