01 abril 2010

estão no fim da estrada

velhos. "velhos são os trapos." não são. infelizmente. infelizmente não são. somos velhos todos os dias para alguma coisa. todos os dias soltamos aquela frase feita "ah e tal... já não tenho idade para isto!" e rimo-nos. mas não tem graça. rimo-nos porque somos novos. novos e incoscientes do mundo lá fora. acho que somos novos e incoscientes uma vida inteira até um dia. o dia em que somos velhos e temos rugas. e pouca vista. pouca voz. pouca ou nenhuma audição. não imagino o que sentirá um velho que não consiga pacientar-se a ver os netos a gritar e a correr em torno de si enquanto ele ali está, parado. não consigo imaginar o que será para um velho depender de uma bengala. ou de umas canadianas. ou de um andarilho. ou de uma cadeira de rodas. de uma argália. estar num lar e não ter lá ninguém com quem conversar. são todos velhos. todos têm uma história deixada para trás. os velhos gostam de contar histórias ao sol aos mais novos. ali já não se vive. nada. a vida deles acabou quando ali entraram porque ficaram tão dependentes dos outros, que tiveram de ali entrar. agora vêm-se sozinhos. todos os dias. sozinhos. sem ninguém com quem possam realmente conversar. aqueles que ainda conversam. pois há aqueles que estão tão imóveis que se confundem com a mobília, a pouca mobília que há naquelas paredes brancas. outros há, que pregam e desprezam quem ali passa, só num olhar atento, se percebe que não não são represálias a quem ali está propriamente. são coisas da cabeça deles. "a cabeça dele deu a volta...", diz alguém atrás de mim sobre um senhor que está descomposto e olha não se sabe bem para onde e fala, fala, fala, fala mal e mal de toda a gente. depois também se vêm velhos que falam. falam sozinhos, baixinho. ninguém entende o que dizem. outros estão calados. calados à tanto tempo que parece uma eternidade. é uma eternidade aquela hora de visita... os poucos que ainda vão andando naqueles corredores, lúcidos, falam pelos cotovelos. porque estão há demasiado tempo calados e sozinhos. abandonados. passou uma senhora que falou com um deles. não obteve grande resposta. deu-lhe de comer. saiu da sala. a Lena está pataroca, pensei. das outras vezes que lá fui não me reconheceu. hoje não é diferente. não diz coisa com coisa. ri-se. está triste. ninguém a leva dali. ela já sabe. diz que as amêndoas são dela. não se lembra o que foi o almoço. esquece-se de meu nome outra vez. ri-se. falamos como se fosse uma criança e perguntamos pelo namorado. diz que não tem. ri-se do outro que está atrás dela que ralha e ofende. passa outra senhora na sala. deve ser voluntária, não tem farda. cumprimenta velhote a velhote. não há lanche. e viemos embora. as amêndoas da páscoa já foram dadas. o dia chega ao fim. os velhotes lá ficaram naquela casa a que chamam lar mesmo não sendo o seu lar. é o lar. o lar de idosos. "para onde vão os velhos", dizem os novos.

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